Na continuidade de nossos estudos sobre os Cadernos do Concílio Vaticano II acerca da Constituição Sacrosanctum Concilium, vamos adentrar na temática do forte Tempo Litúrgico que iniciamos: o Tempo Pascal. Como vimos nos últimos artigos, ao celebrar o Tríduo Pascal (Quinta, Sexta e Sábado Santos), celebramos em três dias, de forma articulada e unificada, o tríplice conteúdo do Mistério Pascal: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Sabemos que tudo encontra sua origem e o seu termo neste Mistério. Existe, de fato, um momento fundamental na história da humanidade em que tudo mudou: aquela manhã em que um homem ressuscitou! Não para voltar a morrer, mas para viver eternamente! A partir daquele momento, a morte não era mais a palavra definitiva sobre o destino humano, mas o início de uma nova existência. Ao longo do tempo, a Igreja tomou consciência do valor fontal do Mistério Pascal de Cristo, que se coloca no centro da experiência de fé e da celebração dos fiéis. Sendo o centro da fé, precisamos compreender mais para celebrar melhor este acontecimento único e singular.
Muitos cristãos sempre perguntam: por que a data da Páscoa não é fixa como a do Natal? Como é escolhida a data da Páscoa? Sendo que a primeira referência é a Sagrada Escritura, nela encontramos os fundamentos para tais questões. Em Êxodo capítulo 12 temos a descrição da primeira celebração da Páscoa judaica, antes da saída do Egito. No relato, Javé diz à Moisés: “Este mês será para vós o início dos meses [...] Aos dez deste mês cada um tomará para si um cordeiro por família [...] É assim que devereis comê-lo: com os rins cingidos, sandálias nos pés e vara na mão; comereis às pressas: é uma páscoa [...] Vós observareis este dia em vossas gerações, é um decreto perpétuo” (Ex 12,1.3b.11.17b).
No antigo calendário judaico, o ano tinha como o primeiro mês aquele no qual iniciava a primavera (correspondente a março ou abril) no hemisfério norte. Sendo que Jesus ressuscita “no primeiro dia da semana” e durante a festa da Páscoa, compreende-se que seja um domingo da primavera. Com este dado, no ano de 325 d.C., o Concílio de Niceia definiu que a Páscoa cristã aconteceria sempre no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de primavera do hemisfério norte (o que para nós, no hemisfério sul, é o primeiro domingo após a lua cheia do equinócio do outono). Além do mais, na Igreja primitiva, o mistério pascal era celebrado não só nos três dias do Tríduo, mas também nas sete semanas seguintes, ou seja, por cinquenta dias, como recorda o termo grego pentecostes.
Hoje, os cristãos são chamados a celebrar os cinquenta dias que sucedem o Domingo da Ressurreição até o Domingo de Pentecostes “com exultação e alegria, como um único dia de festa, aliás como o grande domingo” em que a Igreja se alegra, com o cântico do Aleluia, pela vitória do Senhor sobre a morte e pela vida nova que a participação no Mistério Pascal fez germinar nos fiéis. Não é por acaso que os domingos desse período não se chamam domingos “depois da Páscoa”, mas sim domingos “da Páscoa”. Ou seja, é o tempo repleto da presença do Ressuscitado.
A Liturgia do Tempo Pascal nos leva a rezar pedindo ao Pai poder viver “com ardor este dias de júbilo em honra do Senhor ressuscitado”, exortando-nos também a reconhece-lo em nosso meio, superando o medo do tempo que tudo devora e as situações de precariedade e vulnerabilidade que nos prendem na solidão e no desânimo. Deste Tempo, brota uma mensagem de esperança que se destina ao tempo presente. Por isso, o período pascal é um tempo de renascimento e de comunhão fraterna. É tempo de renascimento, pois assim como na primavera tudo volta à vida, este Tempo provoca um despertar da consciência do homem para que volte a pertencer a Cristo e a se reconhecer como criatura de Deus. A presença do Ressuscitado em meio a seus discípulos é fonte de vida nova, vida inaugurada pela Páscoa, pela qual a eternidade flui de volta ao tempo presente, confiando-o de nova vitalidade.
Mas, como tempo de comunhão fraterna, o Tempo Pascal (no dia seguinte à Ressurreição do Senhor) reúne a comunidade cristã, para escutar a Palavra da vida. O Ressuscitado educa os Apóstolos, por meio das aparições, a compreender os novos sinais de sua presença no mundo. Ao unir as irmãs e os irmãos no amor, o Senhor os torna um só coração e uma só alma.
Vivendo estas dimensões deste Tempo, temos a oportunidade de conservar, com a graça do Espírito Santo, um olhar capaz de ver o Mistério; olhos novos para enxergar a presença do Ressuscitado. Tal presença é vista, de modo especial, em três lugares: nas Escrituras, na Eucaristia e na Igreja. Antes de tudo nas Escrituras, porque é Ele quem fala quando a Palavra de Deus é anunciada na Igreja. A Palavra, proclamada na assembleia litúrgica, não é letra morta, mas Palavra viva que revive no Cristo vivo. A Liturgia da Palavra é, portanto, um diálogo interpessoal com Cristo, Palavra viva. O povo responde com cânticos a Deus que fala (por meio das leituras) e a Ele adere com a profissão de fé. O Tempo Pascal quer fazer arder o nosso coração, como os discípulos de Emaús, na escuta atenta da Palavra da Salvação.
Vemos, ainda, o Ressuscitado na Eucaristia, pois a Missa renova o evento da Cruz ao celebrá-lo, e celebra-o ao renová-lo. São Paulo VI afirma na Encíclica Mysterium Fidei que “no Mistério Eucarístico está representado de modo admirável o Sacrifício da Cruz consumado de uma vez por todas no Calvário”. Ao usar a palavra representar o Papa deseja destacar o sentido profundo deste termo: re-presente, ou seja, tornar novamente presente. Graças ao Sacramento da Eucaristia, tornamo-nos mistericamente contemporâneos do evento Pascal; o evento se torna presente a nós e nós ao evento.
Por fim, quando participamos juntos da mesma Eucaristia, vemos o Ressuscitado na Igreja. Como nos recorda São Paulo, não é possível reconhecer a Cristo no seu Corpo eucarístico, sem ser capaz de reconhece-lo no seu Corpo eclesial. Além do mais, a expressão privilegiada do seu Corpo eclesial são principalmente os pobres e os mais necessitados de caridade.
O Mistério Pascal, centro e fundamento do ano litúrgico, sintetiza toda a história da salvação: a que precede a Encarnação e a que vem depois da Ascensão até à vida definitiva de Cristo. Cada um dos mistérios da vida de Jesus não são independentes uns dos outros, mas estão unidos pelo Mistério Pascal que os vincula: assim, por exemplo, o nascimento do Senhor recebe dele o seu significado salvífico; a Encarnação do Filho de Deus refere-se à Paixão e à Redenção. Todos os mistério e todos os acontecimentos da vida de Jesus, evocados ao longo do ano litúrgico, recebem pleno significado a partir da Páscoa. No Círio, símbolo da luz que é o Corpo glorioso do Ressuscitado, a Igreja não só grava os sinais da Paixão de Cristo, mas há séculos grava o Alfa e o Ômega, os sinais do tempo do seu início ao seu fim, afirmando que Cristo é o Senhor do tempo.
A Páscoa não é simplesmente uma festa entre as outras, mas é a “festa das festas”, a “solenidade das solenidades”. Pois é neste Tempo Litúrgico, impregnado da presença do Ressuscitado, que o tempo da humanidade é envolvido com o impulso protetor, a fim de que a confiança não esmoreça, a esperança não se abale e a caridade não se renda. Na verdade, podemos caminhar pelas estradas da vida graças à esperança que nos permite manter uma postura de “ressuscitados” e olhar para o futuro com confiança. Para caminhar como viajantes rumo a um destino é importante sentir-se amparado pela esperança. E a esperança para nós, cristãos, tem um nome: chama-se Jesus Ressuscitado!
Fonte: Pe. Joelmar de Souza