O Capítulo 2 da encíclica Laudato Si’, intitulado "O Evangelho da Criação", estabelece uma base teológica para a compreensão cristã sobre a criação e a responsabilidade humana em relação ao meio ambiente. Este capítulo destaca que o mundo é um dom de Deus e que a humanidade tem o dever de cuidar dele, enfatizando a interconexão entre todas as criaturas e a importância de preservar a harmonia da criação.
O Papa Francisco inicia ressaltando que, além das análises científicas e socioeconômicas sobre a crise ecológica, a fé cristã oferece uma compreensão mais profunda da relação entre os seres humanos e a criação. Ele lembra que a Bíblia ensina que o mundo é um dom de Deus e que a humanidade tem a responsabilidade de cuidar dele.
O capítulo destaca que a criação não é fruto do acaso, mas sim do amor divino:
"O universo se desenvolve em Deus, que o enche completamente. Então, há um mistério a contemplar numa folha, num caminho, no orvalho, no rosto do pobre." (LS 233)
O Papa Francisco explica que a narrativa bíblica da criação não justifica um domínio irresponsável sobre a Terra, mas um chamado ao cuidado e à proteção:
"Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras." (LS 67)
Francisco também enfatiza a conexão entre a crise ecológica e a crise social. Ele denuncia a exploração dos recursos naturais e a degradação ambiental como pecados contra os mais pobres e vulneráveis.
Dada a importância da relação entre estes dois aspectos, crise ecológica e social, vamos explorá-los um pouco mais.
Embora não possamos classificar uma crise como mais importante que a outra, de forma genérica, pois há situações específicas de pessoas e/ou comunidades em que uma ou outra pode tomar a dianteira. Vamos iniciar a abordagem pela crise ecológica.
A Crise Ecológica: sinais de uma ruptura com a criação
A crise ecológica manifesta-se através de uma série de fenômenos: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, desertificação, poluição de rios e oceanos, entre outros. Esses problemas não são apenas desequilíbrios naturais, mas refletem uma relação distorcida entre o ser humano e a natureza.
Na Laudato Si’, o Papa Francisco denuncia que essa crise nasce de uma visão utilitarista e consumista da criação:
“A mentalidade tecnocrática tende a considerar a natureza como um simples objeto de manipulação e exploração.” (LS, 106)
O ser humano colocou-se no centro e passou a ver a Terra apenas como um recurso a ser usado, esquecendo que somos parte de um “todo interligado” (LS, 138). Assim, a crise ecológica revela uma crise espiritual: uma ruptura com a nossa identidade mais profunda como "guardiões" e não "proprietários" da criação.
A crise social, no contexto que estamos explorando, está intrinsecamente ligada à crise ecológica. As populações mais pobres e vulneráveis são as que sofrem as piores consequências da degradação ambiental, embora sejam as que menos contribuíram para ela.
Neste sentido, o Papa Francisco afirma:
“Os mais pobres são os que sofrem os piores efeitos de todas as agressões ambientais.” (LS, 48)
E ainda: “Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental.” (LS, 139)
Podemos trazer alguns exemplos:
· O aumento das enchentes e secas afeta diretamente a segurança alimentar dos pequenos agricultores.
· A poluição das águas e do solo atinge mais fortemente as periferias urbanas e as populações indígenas.
· O avanço predatório sobre florestas ameaça comunidades tradicionais e culturas inteiras.
Assim, a crise social é um grito que nasce da mesma ferida: o desequilíbrio na relação homem-natureza.
A resposta que Francisco propõe não é apenas técnica ou econômica, mas espiritual, ética e cultural. Ele fala de uma "ecologia integral", que considera:
· O meio ambiente,
· A vida humana,
· A justiça social,
· A espiritualidade.
Essa forma de tratar a ecologia reconhece que:
“Tudo está relacionado, e os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial.” (LS, 137)
Isto significa que não basta salvar espécies ou reduzir emissões de carbono, é preciso também lutar contra a pobreza, promover a justiça social e restaurar o sentido do sagrado na criação.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’ convoca todos — indivíduos, comunidades, governos — a uma “conversão ecológica” (LS, 219). Isso implica:
· Mudar estilos de vida consumistas e indiferentes;
· Promover políticas públicas de inclusão e proteção ambiental;
· Fortalecer a solidariedade global, especialmente com os mais pobres;
· Valorizar a espiritualidade cristã como fonte de amor pela criação.
A crise ecológica e social não será superada apenas com tecnologia, mas com uma nova ética de fraternidade e cuidado, conforme a Campanha da Fraternidade 2025 propõe ao enfatizar: “Fraternidade e Ecologia Integral: Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).
A crise ecológica e a crise social são inseparáveis. Ambas nascem de uma lógica de exploração e domínio e só podem ser superadas com uma espiritualidade ecológica e uma solidariedade concreta. Como afirma Francisco:
“O grito da terra e o grito dos pobres são o mesmo grito.” (LS, 49)
Assim, cuidar da natureza é também cuidar dos irmãos e irmãs mais vulneráveis. A crise global pede de nós uma resposta integrada, comprometida e cheia de esperança.
Por fim, o capítulo reforça que todas as criaturas têm um valor próprio e refletem algo da beleza de Deus. A natureza, segundo a tradição cristã, é um espaço de revelação divina e deve ser respeitada e amada.
Esse capítulo fundamenta teologicamente a preocupação ecológica da Igreja, mostrando que o compromisso com o meio ambiente é inseparável da fé cristã.
Como já destacado, a Campanha da Fraternidade 2025, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), adotou o tema "Fraternidade e Ecologia Integral" e o lema "Deus viu que tudo era muito bom" (Gn 1,31). Esta campanha buscou promover uma reflexão profunda sobre a necessidade de uma conversão ecológica, incentivando fiéis e comunidades a adotarem práticas sustentáveis e a cuidarem da criação divina.
A relação entre o Capítulo 2 da Laudato Si’ e a Campanha da Fraternidade 2025 é evidente na ênfase comum sobre a valorização da criação como expressão do amor divino e na responsabilidade humana de protegê-la. Ambos os textos convidam à contemplação da beleza e bondade presentes no mundo natural, reconhecendo-o como reflexo da obra de Deus. Essa perspectiva incentiva uma atitude de respeito e cuidado com o meio ambiente, alinhando-se ao chamado da Campanha para uma ecologia integral que considera as dimensões ambiental, social, econômica e cultural.
Ao integrar os ensinamentos do Capítulo 2 da Laudato Si’ com as reflexões propostas pela Campanha da Fraternidade 2025, os fiéis são convidados a reconhecer a sacralidade da criação e a assumir um compromisso ativo na promoção de práticas que assegurem a sustentabilidade e a justiça socioambiental, em consonância com os princípios da fé cristã.
Fontes consultadas
Francisco. Laudato Si’: Sobre o cuidado da casa comum. 2015.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Campanha da Fraternidade 2025. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/campanha-da-fraternidade-2025-conheca-o-tema-a-identidade-visual-e-a-oracao/
Bíblia Sagrada. Gênesis 1,31.
Fonte: Jocelito André e Valeska Salvador