O texto que segue reflete a proximidade da reflexão proposta pela Encíclica Laudato Si lançada em 2015 e que agora completa dez anos de trajetória iluminadora da vida eclesial e social e o pensamento eclesial latino-americano, alinhavado sobretudo nas Conferências Episcopais desde 1968 quando aconteceu a Conferência de Medellín no período posterior ao Concílio Vaticano II. Não é possível na brevidade do texto que segue fazer aportes diretos ao pensamento social eclesial latino-americano, entretanto vê-se uma grande comunhão de ideias.
A Encíclica Laudato Si, lançada em 2015 pelo Papa Francisco, apresenta critérios em relação às relações humanas e com o Planeta Terra e afirma que nada no mundo deve nos ser indiferente e que devemos nos unir por uma preocupação comum, salvar o Planeta e salvar as criaturas que habitam o Planeta (cf. LS 5).
No que se refere ao ser humano existe uma preocupação especial assim expressa: o ser humano também é criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas (LS 43).
Todo o crescimento ou desenvolvimento não se basta por si mesmo. Há de ser criterioso e considerar o ambiente e a vida das pessoas. As considerações das Conferências do Episcopado Latino americano, com destaque a Conferência de Aparecida apontam estas lacunas extremamente prejudiciais à população (DAp 69). A Encíclica apresenta outras e afirma que são sinais que mostram como o crescimento dos últimos dois séculos não significou, em todos seus aspectos, um verdadeiro progresso integral e uma melhoria da qualidade de vida. Alguns desses sinais são ao mesmo tempo sintomas de uma verdadeira degradação social, de uma silenciosa ruptura dos vínculos de integração e comunhão social (LS 46). A confiança irrestrita e acrítica no paradigma técnico científico contribui para o processo equivocado porque este paradigma fecha os processos sociais a partir do desejo do lucro sem vislumbrar outras possibilidades, algo reducionista e perigoso ((LS 107).
Cabe considerar, segundo o texto de Francisco, que a desigualdade não afeta apenas as relações internas nas nações, no caso os indivíduos. Afeta países inteiros também, o que obriga a pensar uma ética das relações internacionais na mesma linha do que apontava o Documento Conclusivo da Conferência de Medellín (DM 8). Os processos de exploração entre países não permitem que a verdadeira justiça social prevaleça. A ferida é ampla, tem dimensões profundas e exige a decisão política em superá-la, o que implica em compromisso de todas as nações a começar pelas mais desenvolvidas. A fraqueza das reações é algo preocupante e não consegue se sobrepor politicamente à lógica do mercado (LS 56). A busca desenfreada do lucro não pode ser o único horizonte das experiências humanas.
A Carta Encíclica propõe outras referências para a superação destes entraves e sustenta um processo de desenvolvimento integral, a partir da ética das relações pessoais e internacionais. A constatação é que as coisas precisam mudar porque o cuidado do Planeta tem como horizonte a sua própria sustentação, a garantia de um padrão de vida digna para a população planetária hodierna, assegurando o que é fundamental para a sua sobrevivência garantindo as condições de vida para as populações futuras. Estes objetivos são compreendidos como os fundamentos éticos e morais do desenvolvimento sustentável.
Existe a preocupação com o presente e também com os processos futuros. O documento reitera este compromisso quando afirma: “somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da nossa passagem por esta terra” (LS 160).
Tal compromisso vai se delineando primeiramente a partir dos princípios ligados a ecologia integral, tratada de forma profunda no texto, inclusiva das dimensões humanas e sociais das relações superando qualquer tentação de fragmentação (cf. LS 138).
Lembra, também o princípio do bem comum como fundamento do agir, o que significa, segundo a Doutrina Social da Igreja, o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição. Implica que todo o desenvolvimento, sejam quais forem suas esferas deve contemplar o bem comum que tem como consequência o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral. Exigem também os dispositivos de bem-estar e segurança social como condições de moralidade e ética para serem aceito.
Um terceiro critério que o texto sugere diz respeito ao futuro, compreendido no texto como “justiça intergeracional”. Há o cuidado com as populações do presente, mas também há o olhar para futuro para aqueles que sucederão esta geração no Planeta. O Papa diz que não se trata de uma opção mas de uma questão essencial de justiça, pois, a terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir (LS15).
O compromisso presente se estende para o futuro. Neste ponto retomamos a noção de tempo. O tempo não é o apenas agora, o momentâneo como falsamente nos fazem acreditar. O tempo há de ser lido e compreendido no diálogo com o passado e o futuro.
Lembra-se aqui três princípios que nos ajudam a compreender o fundamento do desenvolvimento integral segundo a Encíclica Laudato Si, a saber, a ecologia integral e suas correlações; o princípio do bem comum que reitera que não é qualquer desenvolvimento que serve à humanidade; por fim a dimensão do compromisso e justiça em relação às gerações futuras pois estamos aqui de passagem com a missão de viver bem, ajudar os outros a viverem bem e com dignidade e garantir a possibilidade de vida boa e feliz para aqueles que vêm depois de nós. Considera-se estes pontos os princípios éticos e morais que nos ajudam a pensar o desenvolvimento sustentável. A negação destes princípios e de outros a eles relacionados coloca em risco os fundamentos do desenvolvimento. Eles apresentam para nós alguns desafios os quais enumero e estão de forma mais ou menos implícita na Encíclica.
a- Garantir os processos econômicos e políticos voltados ao cuidado com o Planeta Terra em vista da superação do processo de degradação que vem sofrendo devido uma leitura equivocada e reducionista de desenvolvimento que prejudica o Planeta e a maioria das populações.
b- Enfrentar de forma decisiva as realidades de pobreza e exclusão ainda não resolvidas em muitos países. A pobreza e a miséria são desafios éticos para todos nós.
c- Tratar como realidade emergencial a situação dos migrantes e refugiados. Tal situação não é problemática deste ou daquele país, mas da humanidade inteira e exige decisões políticas, interligadas com os objetivos do desenvolvimento sustentável.
d- Considerar a necessidade de processos de arbítrio internacional voltados à limitação dos avanços da economia de mercado que muitas vezes interfere de forma decisiva e desigual na democracia dos países.
e- Rever a forma de como se tratam as sanções aos os processos belicistas de alguns países visto que têm favorecido a indústria armamentista e criado uma realidade de medo em muitas populações.
Concluindo, cabe lembrar que só podemos considerar desenvolvimento aquele processo que inclui a todos e não gera desigualdades ou degradação social, moral ou ambiental.
É um compromisso amplo e profundo. Envolve a todos nós.
Fonte: Pe. Ari Antonio dos Reis - Coordenador de Pastoral